CNJ determina apuração sobre conduta de juíza que citou raça ao condenar réu negro por organização criminosa.

Inês Zarpelon, juíza da 1ª Vara Criminal de Curitiba, mencionou três vezes raça de réu em trecho da sentença; após repercussão, ela pediu desculpas e disse que frase foi tirada de contexto. Corregedoria abriu procedimento administrativo.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou que a Corregedoria Geral da Justiça do Paraná investigue o caso da juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal de Curitiba, que mencionou a raça de um réu em uma sentença de condenação.

Segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJ-PR), a Corregedoria instaurou um procedimento administrativo.

Em um trecho da sentença, a magistrada diz que “seguramente integrante do grupo criminoso, em razão da sua raça, agia de forma extremamente discreta os delitos e o seu comportamento, juntamente com os demais, causavam o desassossego e a desesperança da população, pelo que deve ser valorada negativamente (sic)”.

Após a repercussão do caso, Inês Marchalek Zarpelon pediu “sinceras desculpas” e afirmou que a frase foi retirada de contexto.

Confira a nota da juíza na íntegra:

“A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.

O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.

A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.

Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.

A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.

Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.

  • O CNJ determinou prazo de 30 dias para que a Corregedoria do Paraná apresente o resultado da investigação do caso.

Na decisão, a juíza condenou sete pessoas por organização criminosa. Segundo o documento, o grupo fazia assaltos e roubava aparelhos celulares de vítimas nas Praças Carlos Gomes, Rui Barbosa e Tiradentes, Centro da capital.

Sentença

A magistrada condenou, em primeira instância, o réu Natan Vieira da Paz, de 42 anos, a 14 anos e dois meses de prisão por organização criminosa e por roubo.

No documento, o trecho que menciona a raça de Natan aparece três vezes, no momento em que a magistrada aplica a dosimetria da pena.

Somente pelo crime de organização criminosa, o homem foi condenado a três anos e sete meses de prisão e, segundo o texto, a pena foi elevada por causa da “conduta social” do réu.

Ainda na sentença, a juíza escreveu que Natan é réu primário e que “nada se sabe” da sua “conduta social”.

Outras seis pessoas também foram condenadas pelos mesmos crimes pela juíza.

Defesa do réu

A advogada Thayse Pozzobon, que defende Natan, afirmou que vai recorrer da decisão. “A raça dele não pode, de maneira alguma, ser relacionada com os fatos que ele supostamente praticou”, afirmou.

Natan recorre da decisão em liberdade.

No texto da sentença em que cita os dados pessoais e a identificação dos réus, o apelido de Natan é descrito como “Neguinho”.

“Essa referência dele aparece mais de uma vez na sentença. Não é um erro de digitação, por exemplo. Isso revela o olhar parcial da juíza, e um magistrado tem o dever da imparcialidade”, afirmou.

De acordo com a advogada, a juíza usou a justificativa racial para aumentar a pena do réu. “Ela aumentou em sete meses a pena dele em razão dessa circunstância”, afirmou.

A advogada informou que o caso foi comunicado à Comissão de Igualdade Racial e Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR).

Homem foi condenado por organização criminosa — Foto: Reprodução

Apuração junto ao MP

Cássio Telles, presidente da OAB-PR, afirmou que vai pedir ao Ministério Público do Paraná (MP-PR) uma apuração sobre o caso para verificar se houve crime de racismo por parte da magistrada.

O trecho da sentença da magistrada tem uma “carga discriminatória”, segundo Telles.

Por G1 PR e RPC Curitiba

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