Após decisão do STJ que libertou Arimatéia Azevedo, jurista pede arquivamento da ação, por falta de provas.

Arimatéia Azevedo é acusado, sem qualquer prova concreta, de extorsão (Foto: Wilson Nanaia/Portal AZ)

O caso deverá ser submetido a um “ laboratório forense”, diz Miguel Dias.

O jurista Miguel Dias voltou a enfocar o caso do jornalista Arimatéia Azevedo que depois de 160 dias, teve sua liberdade concedida por unanimidade pela 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) na última terça-feira (24). O colunista é acusado, sem qualquer prova concreta, de extorsão após ter noticiado no Portal AZ o erro médico do cirurgião plástico Alexandre Andrade que vitimou a paciente Emanuela Ferraz.

“O caso Arimateia Azevedo deverá ser submetido a um “laboratório forense”. Não pela investigação em si de uma suposta infração penal, mas pelo o “vírus” que contaminou processo-crime “in espécie” desde a nascente”, declarou o jurista. Leia abaixo o artigo na íntegra:

CASO ARIMATEIA AZEVEDO – Arbitrariedade Desnudada

Por Miguel Dias Pinheiro, advogado

A prisão do jornalista Arimateia Azevedo teve um triplo sentido: “prendê-lo, proibi-lo de exercer a profissão e macular a imagem dele perante a sociedade.

Sob a ótica da experiência como profissional do Direito, vejo agora que a prisão do jornalista atendeu a interesses inconfessáveis, como bem demonstra a própria instrução do respectivo processo-crime. É quando fazemos uma incursão aos autos e nos deparamos com o depoimento de um outro médico, que desmente o médico-vítima.

Temos no caso concreto o seguinte: uma testemunha que chama a vítima de mentirosa quando diz que não tratou de pagamento ou recebimento de dinheiro. E, por consequência, a própria suposta vítima não consegue informar e nem comprovar ao promotor e aos advogados que a inquiriram se tem provas de que pagou qualquer quantia. Em juízo, advirta-se, a testemunha reportada disse que não tratou de dinheiro com ela vítima e não sabe se o jornalista recebeu qualquer quantia. Basta! Vamos ao Direito aplicável ao caso!

Atento ao caso, compreendo que a declaração do outro médico coloca por terra a acusação contra o jornalista. Além de desnudar uma arbitrariedade cometida na investigação e na instrução processual, contaminando o mérito da respectiva ação penal pela “dúvida penal”, capaz, portanto, de impor o arquivamento da ação por ausência de prova acusatória firme, coesa e incontroversa.

Qualquer jurista sabe que o princípio do “in dubio pro reo” é um princípio fundamental em Direito Penal que prevê o benefício da dúvida em favor do réu. Ou seja, em caso de dúvida razoável quanto à culpabilidade de um(a) investigado(a) ou acusado(a) nasce em favor deste(a) a presunção de inocência, uma vez que a culpa penal deve restar plenamente comprovada.

Estão esperando o que para arquivar a Ação Penal?

Susan Haack, professora na Universidade de Miami (EUA), citada em primoroso texto jurídico do promotor de Justiça e assessor de ministro do STJ, André Wagner Melgaço Reis, afirma que um julgamento não é como uma investigação científica, na qual se pode tomar o tempo necessário para esmiuçar todas as provas possíveis. Afinal, as determinações jurídicas dos fatos estão sujeitas a limitações de tempo e de restrições a respeito da forma de obtenção e do tipo de provas que podem ser legalmente apresentadas. Conclui asseverando que o que se exige do julgador dos fatos não é que determine se o acusado é culpado, mas, sim, que defina se a culpabilidade do acusado foi estabelecida pelas provas produzidas no grau exigido. E esse grau, essa quantidade de prova (quantum of proof) exigida no processo penal, para fins de condenação, é o da prova mais além da dúvida razoável.

O que estão esperando, então?

Disse-se aqui em outras oportunidades que o Caso Arimateia Azevedo deverá ser submetido a um “laboratório forense”. Não pela investigação em si de uma suposta infração penal, mas pelo o “vírus” que contaminou processo-crime “in espécie” desde a nascente.

O que seria a dúvida razoável?

Como acabamos de transcrever anteriormente, a “testemunha referencial” do processo-crime acabou por desmoralizar a suposta vítima na frente do magistrado julgador. O fato constatado não se trata simplesmente de uma possível dúvida, mas de uma razoável, pertinente e capaz de por si só macular a honradez processual. Para o Direito Penal, isso basta!

A dúvida razoável no Caso Arimateia Azevedo deixa na mente do julgador uma condição tal que ele não poderá dizer que experimenta uma possível “convicção moral”. Se subsiste a dúvida razoável no Caso Arimateia em relação à prova da culpabilidade, este tem, sim, direito de ser beneficiado pelo princípio constitucional da presunção de inocência e, por consequência, ser absolvido. Claro! Se a prova haverá de estabelecer a verdade do fato no sentido de produzir uma certeza ainda que seja moral, a dúvida razoável impõe-se como entrave, uma condição que não poderá ser ultrapassada pelo julgador, sob pena deste cometer uma arbitrariedade gritante.

Citado por André Reis, o jurista Jordi Nieva Fenoll, professor catedrático da Universidade de Barcelona, preleciona que no processo penal a exigência do “standard de prova” é muito mais alto que no processo civil. Porque exige que a culpabilidade do réu esteja demonstrada “mais além de toda dúvida razoável”. Essa expressão diz ao julgador que a probabilidade de o acusado ser responsável pelo fato antijurídico deve ser valorada como muito alta para que seja declarado culpado.

Claro, doutor! “Decidir jurisdicionalmente conforme a presunção de inocência, em rigor, equivale a entender que somente se condenará quando não existir nenhuma dúvida razoável acerca da realização do delito e da identidade do autor” (in Perfecto Andrés Ibáñez, magistrado do Tribunal Supremo da Espanha).

Pelo que se colheu do Caso Arimateia, é que estamos diante de um processo inquisitorial, “data máxima vênia”. Onde tem prevalecido (pasmem!) a “presunção absoluta de culpa”. Atendendo ao que chamamos em Direito de “simulacro de justiça”. Isso mesmo! Isso não é fazer-se justiça em seu mais alto grau, moral e intelectualmente. Não! Pelo contrário, é uma forma procedimental que não leva em conta a condição da dignidade humana, um predicado cujo respeito deve imperar dentro do ambiente civilizado, seja nos tribunais ou não.

Na conclusão, bem oportuna, “en passant”, a decisão do STJ revogando a prisão do jornalista na sua plenitude ratifica um abuso de autoridade e desnuda uma arbitrariedade, porquanto “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal).

Fonte:Por Redação do Portal AZ

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